Jogadores têm de pagar por um lugar para jogar em times pequenos paulistas

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  • 14/04/2019 18:31
  • Brasil e Mundo
Nilton Fukuda/Estadão Conteúdo

Carlos Augusto atuou pelo sub-20 do Esporte Clube São Bernardo no Campeonato Paulista em 2017. Pagava R$ 600 por mês pelo alojamento e alimentação. Ele pagava, mas não recebia salários em dia. Seu ordenado era a "visibilidade" de jogar no torneio estadual.

O orçamento só aguentou seis meses. Depois que saiu do time, ele abriu um processo trabalhista e está recebendo os atrasados na Justiça. Só não conseguiu comprovar os pagamentos que fez pelo alojamento - os depósitos já estavam apagados ou foram feitos em dinheiro. Carlos Augusto é um nome fictício. O atleta em questão não quer se identificar e pediu para que alguns detalhes de sua história fossem omitidos, pois teme represálias na carreira.

Essa história é frequente no futebol paulista. O Sindicato dos Atletas recebeu 30 denúncias semelhantes neste ano. São atletas que pagam para jogar. As reclamações são mais volumosas no começo das competições, especialmente em relação aos clubes menores. A entidade não registrou denúncias contra os times grandes de São Paulo.

As acusações envolvem o clube ou pessoas que falam em nome da equipe, como diretores, empresários ou técnicos, que pedem dinheiro para custear taxas de inscrição ou transferência - com valores superfaturados - ou para alojamento e alimentação.

Preocupado com a questão, o sindicato criou a campanha “Atleta não paga, recebe”. A ideia é informar os jogadores que eles não podem pagar para trabalhar. “Infelizmente, é uma prática cada vez mais recorrente no futebol brasileiro”, explica Guilherme Martorelli, advogado do sindicato.

A cobrança de quaisquer taxas nas categorias de base é proibida. “O artigo 29, ‘g’ da Lei Pelé, estabelece ser a formação do atleta gratuita e as expensas da entidade de prática desportiva. Assim, essa cobrança me parece ser absolutamente ilegal e, portanto, grave”, avalia Daniele Cramer, procuradora do Ministério Público do Trabalho.

Cramer explica ao Estado que os atletas em formação nos clubes são trabalhadores e, como tal, não podem suportar os riscos e os custos da atividade econômica, que incumbem exclusivamente ao contratante.

Embora ilegal, a prática costuma ser feita às claras. Nas redes sociais, alguns times cobram R$ 90 para a participação em peneiras, teste para ingressar em uma equipe de futebol. Após o contato do sindicato, um dos clubes retirou o anúncio. “Pagar para estar em uma peneira é a mesma coisa que pagar por uma entrevista de emprego”, compara Martorelli.

José Henrique, outro nome fictício, passou sete meses no Apucarana no ano passado. O clube cobrou R$ 1.400 pela transferência, de São Paulo para o Paraná, para disputar a terceira divisão local. Ele deu só R$ 400. No fim do campeonato, o garoto voltou para São Paulo. Outros meninos ficaram.

O cenário jurídico dificulta a punição para os clubes. Existem dois caminhos para o atleta. O primeiro é a ação trabalhista. O segundo é buscar uma punição desportiva, como perda de pontos, por exemplo. O atleta deve recorrer à Câmara Nacional de Disputas (CND), uma câmara arbitral gerida pela CBF. As custas são pagas antecipadamente. O valor mínimo é R$ 3 mil. O clube tem de receber a convocação e concordar em comparecer.

Se o clube não concorda, o processo para e o atleta não recebe o dinheiro que pagou. Boa parte dos garotos ouvidos pelo Estado apenas rescindiu o contrato e continuou a correr atrás do sonho de ser jogador de futebol.

ACUSADOS FALAM EM PENÚRIA - O Esporte Clube São Bernardo ressalta que os R$ 600 eram cobrados pela empresa DS Sports, parceria do clube em 2016 e 2017. “O clube não tinha condições de oferecer alojamento. Fizemos uma parceria com essa empresa e os atletas faziam o pagamento para ela”, diz Gigio Sareto, vice-presidente do São Bernardo. A empresa não retornou os contatos do Estado. Hoje, o clube custeia o alojamento para 25 jogadores.

Representantes do Apucarana confirmam a cobrança dos valores de transferência dos atletas em 2018. “Os R$ 1.500 eram para transferência, inscrição e exame médico. Se sobrasse alguma coisa, a gente ia juntando para as viagens. Não tínhamos patrocínio. Mas jogamos limpo com os atletas. Dizia que aqui não tinha nada”, conta Walbert Martins, responsável pelo sub-19. Douglas Lima, presidente que assumiu, informa que não cobra aluguel dos atletas. Os meninos treinam e voltam para casa.